"Quero ser campeão novamente da Fórmula E", afirma Lucas Di Grassi

Interview

entrevista exclusiva com lucas di grassi
2 de junho de 2023 no 18:53
Última atualização 2 de junho de 2023 no 19:22
  • Vicente Soella

Depois do surpreendente ePrix de Mônaco no início de maio, que contou com 116 ultrapassagens nas estreitas ruas do principado, a Fórmula E agora parte para a Indonésia, onde teremos o ePrix de Jakarta neste fim de semana. Entre os principais nomes da categoria elétrica está Lucas Di Grassi, que foi campeão em 2017.

Em uma entrevista exclusiva para o GPblog Brasil, Di Grassi falou um pouco sobre a sua chegada na Fórmula E, seus principais objetivos para os próximos anos, e também deu a sua opinião sobre o que deve mudar no automobilismo brasileiro para que possa ser possível o desenvolvimento de novos pilotos.

Entrevista

[GPblog] | [Lucas Di Grassi]

Sabemos que a sua passagem pela Fórmula 1, infelizmente, não foi o que você esperava, pois lhe faltaram mais oportunidades para mostrar o seu talento. No entanto, a história foi totalmente diferente na Fórmula E, onde você se tornou um dos principais nomes da categoria, inclusive ajudou no desenvolvimento do carro. Você poderia comentar um pouco para nós sobre como foi, na época, viver essa mudança? Pois a FE estava apenas iniciando a sua trajetória e ainda era muito questionada se daria certo ou não.

Realmente, na Fórmula 1 a nossa equipe tinha muitas dificuldades. Eu costumo dizer que, quando eu me classificava em 14º no grid, era um bom dia. Imagine o resto. Na verdade, quando o Alejandro (Presidente da FE) me chamou para participar da Fórmula E, não existia nada. Só um Powerpoint, mais nada. Fui o terceiro funcionário da Fórmula E. E entrei para ajudar não só no projeto do carro, como também no conceito da competição como um todo. Naquele momento, eu não sabia o que iria fazer da vida. E esse projeto me deu novos horizontes. Depois, decidi competir e então saí da empresa.

Na época, você foi contratado para ser o piloto de desenvolvimento do carro da Fórmula E, muito por causa da sua experiência na Fórmula 1 e também no Endurance. Você poderia nos falar como foi essa experiência para você? E olhando para a categoria hoje, os objetivos que foram traçados há 10 anos estão sendo alcançados? A FE teve a curva de crescimento que era prevista?

Na época o Alejandro precisava que eu ajudasse em um pouco de tudo. Então, foi uma experiência bem especial e um grande desafio. Íamos eu e ele, pastinha embaixo do braço, visitar empresas que podiam ser patrocinadoras. Lembro também que, quando falava de uma categoria de carros elétricos, alguns pilotos chegavam a tirar sarro. Mas não os culpo, claro. Aquilo era mesmo algo inovador e as pessoas ainda não tinham como acreditar que naquele momento poderia dar certo. Acho que a Fórmula E atingiu todos os objetivos. Chegou a ter mais fabricantes de carro que a Fórmula 1 e Fórmula Indy juntas. Isso diz muita coisa.

O objetivo inicial da Fórmula E era competir somente em circuitos de rua, até como uma forma de atestar a viabilidade de alternativas ao petróleo em grandes centros. Para os próximos anos, o foco ainda é continuar correndo em circuitos de rua, ou já pensam em fazer algumas corridas testes, talvez, em circuitos ‘tradicionais’?

Correr nas ruas centrais das grandes capitais foi um diferencial importante para a categoria. Trouxe o automobilismo para mais perto das pessoas e acho que de uma forma mais democrática e racional. Eu acho que, sempre que possível, a Fórmula E terá como foco competir nas pistas de rua, um formato que acabou sendo inovador.

A Fórmula E pretende introduzir uma grande novidade ainda este ano, que é o retorno dos pit-stops, que fizeram parte da categoria nos primeiros anos, mas que foram abandonados após a implementação dos carros Gen2. Como funcionaria esse novo equipamento de recarga rápida de bateria? Qual é o posicionamento das equipes em relação à essa nova tecnologia, levando em consideração os custos para implementação?

Os pit stops devem durar 30 segundos e serão obrigatórios. Essa nova tecnologia dará aos carros 4kWh de energia, graças a um booster de 600kW. Ainda há desenvolvimento a ser feito. Logicamente que ninguém quer aumentar custos, mas essa novidade vai dar uma dinâmica interessante para o campeonato. Inovações como essa estão na essência da Fórmula E. É por isso que tantas empresas de tecnologia estão de olho no campeonato.

O mundo está seguindo um caminho cada vez mais sustentável, e isso em todos os setores da sociedade. A Fórmula E foi a grande pioneira da sustentabilidade no automobilismo, e vem chamando a atenção e influenciando outras categorias, como por exemplo, a Fórmula 1. Olhando para a F1, que vai passar por uma grande mudança no regulamento dos motores em 2026, você acha que no futuro a categoria será totalmente elétrica? Em algum momento, você acha que há a possibilidade da FE e da F1 serem ‘concorrentes’, ou há espaço para ambas neste mundo sustentável?

Eu acho que há espaço para as duas. E a Fórmula 1 não pode ser elétrica por que o contrato da Fórmula E com a FIA prevê essa exclusividade. Isso foi um ponto importante para o sucesso da Fórmula E. Neste momento, eu acho que dificilmente as categorias serão rivais. Acho que serão mais complementares. Mas nada é garantido. Elas poderiam até mesmo se unir em uma só. Tudo é possível.

O que sustenta qualquer esporte é a competitividade, e isso a Fórmula E tem de sobra. Nos 8 campeonatos que foram disputados até aqui, nós tivemos 7 campeões diferentes. O oposto, por exemplo, da Fórmula 1, que – com exceção de 2021 – vem apresentando eras de domínio, antes Mercedes, e agora Red Bull. Como você enxerga essa diferença entre as duas categorias e como isso pode ser usado para alcançar mais fãs?

O primeiro ponto nisso é o conceito das duas categorias. A Fórmula E usa um chassi padrão e isso faz toda a diferença, aproximando as equipes. Qualquer pequena diferença ou erro de acerto aparece, porque todo mundo anda mais ou menos no mesmo ritmo. A Fórmula E sofreu mais que a Fórmula 1 durante a pandemia em termos de atrair o público. Perdemos um pouco de terreno, mas acho que retomamos o caminho.

No último ePrix em Mônaco, a corrida foi disputada no traçado tradicional do circuito. Muito se fala sobre Mônaco ser muito difícil de ultrapassar e sempre proporcionar corridas “sem graça”. Porém, a corrida teve 116 ultrapassagens, um número muito impressionante e que proporcionou um verdadeiro show para quem gosta de automobilismo! Esta pergunta até complementa um pouco a anterior: O design dos carros da Fórmula E é o grande fator que proporciona termos corridas emocionantes mesmo em circuitos de rua? Qual a diferença dos carros da FE para os da F1, que, em Mônaco, não consegue ter uma corrida tão boa assim?

Um dos problemas dos carros da Fórmula 1 é que ficaram muito grandes. Então, com menos espaço, como é o caso das ruas de Mônaco, as ultrapassagens ficam mais difíceis. Os carros de Fórmula E, além de serem menores, também usam pneus bem menos aderentes. Isso cria muitas situações interessantes nas freadas e retomadas de curva.

Recentemente, no dia 23 de março de 2023, nós tivemos a primeira corrida da história da Fórmula E aqui em nosso país. Como você acha que o ePrix de São Paulo pode ajudar a popularizar a categoria aqui no Brasil? O que mais pode ser feito, em sua opinião, para chamar mais a atenção do público brasileiro?

Eu fiquei muito feliz em ter essa corrida no Brasil. Lutei por ela durante dez anos. Finalmente aconteceu! Eu acho que essa primeira prova foi um aprendizado. Tivemos pontos que podemos melhorar em termos de organização. Mas o espetáculo dentro da pista foi muito bom. Estamos no caminho certo.

Você atualmente é o 15º colocado no campeonato com 18 pontos, e a Mahindra é a penúltima entre as equipes. Como você avalia a sua temporada até aqui, e quais são as suas expectativas para as corridas que ainda faltam? O que a equipe pode fazer para alcançar resultados melhores?

Desde o começo do ano eu venho dizendo que esta é uma temporada de desenvolvimento. A equipe começou muito atrás em relação às demais, inclusive fez poucos testes se comparada com os principais times. A Mahindra está se reorganizando. Mas, como potencial, acho que tem tudo para voltar a vencer. Se será neste ano? Vamos tentar. Mas já está bem claro que não será fácil.

Você tem 38 anos, ainda é muito jovem se levarmos em consideração que há muitos pilotos mais velhos que ainda competem em alto nível, seja em competições no Brasil ou até mesmo lá fora. Quais são os seus planos para o futuro? Pretende continuar na Fórmula E por muito mais tempo, ou gostaria de experimentar outras categorias também?

Eu quero tentar ser campeão novamente na Fórmula E. Se isso vai ser possível, ou se vai demorar dois ou três anos, não dá para dizer. Mas é o objetivo.

A criação da Fórmula 4 em nosso país foi um avanço muito importante na área de desenvolvimento de nossos jovens talentos, tanto que muitos dos participantes já se encontram em competições europeias em 2023. Com isso, estamos vendo mais pilotos brasileiros batendo à porta de categorias importantes e contando com um maior apoio de patrocinadores, como está acontecendo com Felipe Drugovich e Enzo Fittipaldi. Você acredita que o cenário será mais animador para os jovens pilotos brasileiros nos próximos anos? O que você acha que ainda pode ser feito para crescermos ainda mais?

Acontece no automobilismo brasileiro o que acontece em outros esportes no nosso país: as pessoas vencem apesar das dificuldades. O automobilismo brasileiro tem muitas dificuldades, incluindo autódromos defasados, pouca exposição das categorias menores, e assim por diante. O desmonte de Jacarepaguá e Brasília, por exemplo, foi absurdo. Hoje, o Rio de Janeiro, que foi um grande polo do esporte, praticamente não tem mais pilotos. Mesmo assim o automobilismo resiste. Basicamente, precisamos de investimento nos novos talentos e seriedade nos projetos.